quarta-feira, 28 de maio de 2008

Monotonia

A Monotonia
Nos grandes momentos todos são heróis; tem-se sempre a ideia, embora vaga, de que se está representando e que o papel se deverá desempenhar com perfeição; de outro modo não aplaude o público. Depois as epopeias duram pouco; todas as forças se podem concentrar, faz-se um apelo supremo à suprema energia; em seguida permite-se o descanso, a mediocridade que apazigua e repousa; nada mais vulgar do que um herói fora do seu teatro. Não é, pois, necessário que te prepares para as crises; são horas em que sempre - se não és totalmente apagado - te encontrarás acima de ti próprio; mil elementos te farão pedestal; tão alto subirás que só te será difícil, passada a exaltação, não te admirares do que fizeste; vês-te incapaz de repetir o golpe; e para a fama do herói certamente contribui este espanto que o toma de se não ter sempre igual, de em determinada conjuntura ter passado sobre ele o apelo dos deuses. É para todos os dias que precisas de educar e afinar a alma; é para te sentires o mesmo em todos os minutos que deves dominar os impulsos e ser obstinadamente calmo ante as dificuldades e os perigos, as alegrias e os triunfos. O constante exercício do ginasta te sirva de estímulo e de guia; que saibas dar um passo com a mesma segurança, leveza e calma com que poderias dar um salto; aprende a ter nas resistências o esforço dos ataques. O que a vida apresenta de pior não é a violenta catástrofe, mas a monotonia dos momentos semelhantes; numa ou se morre ou se vence, na outra verás que o maior número nem venceu nem morreu: flutua sem norte e sem esperança. Não te deixes derrubar pela insignificância dos pequenos movimentos e serás homem para os grandes; se jamais te faltar a coragem para afrontar os dias em que nada se passa, poderás sem receio esperar os tempos em que o mundo se vira.

Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'


3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

infelizmente o a vida torna-se monótona, mas como seres pensadores que somos, podemos sempre dar a volta a isso. Como diz a musica, sempre podemos dar um passeio no lado selvegem da vida...

Hum... vodka limão, p.f. disse...

...e como o artista no palco, muitas vezes representamos... e muitas vezes o sentimos e muitas outras não sentimos...e a fama que vamos construindo e se apodera de nós logo se esvai, quando, confrontados com o nosso viver, nos apercebemos que a monotonia já nos invade e nos controla...

Viver no lado selvagem por instantes... devolver-nos a fama que hipocritamente vivemos, mas que tanto parece nos fazer falta... e esta angústia!

m.c.